Modo de fazer cuias do Baixo Amazonas
O Modo de Fazer Cuias do Baixo Amazonas é patrimônio cultural imaterial do Pará (2009) e do Brasil (2015) e queremos dar a ela merecido destaque como um saber tradicional e ancestral, além de valorizar as protagonistas deste ofício cultural da região.
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Durante nossa imersão no universo das cuias como patrimônio cultural imaterial, chegamos à ASARISAN – Associação das Artesãs Ribeirinhas de Santarém, formada por mulheres que cuidam as cuias da mesma forma como aprenderam com suas mães e avós, e seguem ensinando suas filhas e netas. Um processo que demanda tempo, dedicação e envolvimento de toda a comunidade, desde a coleta dos frutos da cuieira e todo o tratamento pelo qual ela passa até chegar no formato e na coloração pelos quais é conhecida e reconhecida em todo o mundo.
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Originárias da comunidade de Aritapera e seu entorno (pertencentes ao município de Santarém e localizadas às margens do Rio Amazonas), as artesãs fundaram em 2014 a marca coletiva Aíra (www.cuiasaira.com.br) como forma de agregar valor à técnica tradicional de fazer as cuias.
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Venha conhecer um pouco da realidade dessas mulheres através da entrevista que fizemos com a dona Lélia, presidenta da ASARISAN. Espia!
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Qual é o seu nome e idade?
Lélia Almeida Maduro, tenho 71 anos.
Qual é a sua relação com Aritapera? Nasceu aí, chegou depois?
Nasci aqui. Aritapera é a região que eu nasci,
na comunidade de Carapanatuba, que é região do Aritapera.
E estou vivendo aqui até hoje.
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Como você vê a presença da cuia no seu cotidiano? Tem lembranças de quando era criança com a cuia que possa compartilhar?
Eu vejo no meu cotidiano que a cuia tem bastante utilidade. A gente usa a cuia para tomar água, para tomar leite. Uma cuia maior serve para tirar o leite também, tirar água da canoa. A gente usa a cuia para vários fins, para lavar um arroz. Enfim, em todo momento que a gente usa água, a gente pega essa cuia, tira água do carote.
O que você sente quando usa a cuia?
Eu sinto que o trabalho contribui para a utilização da cuia, porque a cuia é utilizada na culinária, na ornamentação, na decoração daquilo que a gente quer fazer, até mesmo nas danças, em momento de uma programação, elas também servem de instrumento. No caso, o maracá, é um instrumento que faz parte de uma apresentação que é feita pelas pessoas.
Qual o seu sentimento quando a cuia se tornou patrimônio cultural imaterial do Brasil?
Sentimento de gratidão, de alegria, de reconhecimento, porque a cuia é tratada no interior de Santarém, de um ribeirinho, mas ela tem saída pra tantos lugares, pra estados, pra que seja usada, então ficou como registro de patrimônio histórico, e isso pra nós foi uma grande conquista. Através da nossa associação nós fizemos esse pedido de registro e fomos contemplados, graças à Deus.
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Como acontece a organização das mulheres para a confecção da cuia? Fazem em família ou se juntam com outras mulheres da associação?
Acontece que nós nos organizamos em núcleos. São 5 núcleos de produção, um em cada comunidade: da Cabeça D’Onça, do Surubiaçu, da Enseada do Aritapera, do Centro do Aritapera e do Carapanatuba. Nesses núcleos, as mulheres se juntam e compartilham o trabalho artesanal, é um trabalho coletivo.
Pode-se dizer que a produção das cuias é o seu principal meio de sustento, e de suas companheiras de associação?
Não. Elas são apenas, a renda do trabalho das cuias, ela serve pra ajudar nas outras rendas que a gente se vira pra ganhar. Eu sou aposentada, várias colegas são aposentadas, mas fora disso quem não é aposentada tem outros trabalhos também pra poder ajudar na manutenção das despesas. E tem também os maridos que trabalham, que ajudam. Não é no trabalho da cuia, mas em outros afazeres.
Poderia contar um pouco do processo de fabricação das cuias, das partes que você mais gosta de fazer e como aprendeu?
Olha, eu aprendi facilmente porque a minha mãe trabalhava em cuia, quando eu era pequena eu sempre ajudava e observava minhas tias. E esse processo a gente continua fazendo. A primeira coisa é quando o fruto está maduro na árvore, que é a cuieira. Quando está maduro a gente vai colher e passa um, dois dias pra ela murchar mais e a gente fazer o trabalho. O trabalho da confecção das cuias: quebra, serra, conforme o formato da cuia a gente vai modelar, e também ferve por causa... Como essa cuia aqui, que por dentro ela está lisinha mas por fora ela está natural. Então aqui, pra gente fazer um trabalho que ele fique todo pretinho, tem que tirar essa película, precisa estar na água, ficar de molho. A gente tira a película, vai tirando lentamente com uma gilete, pra tirar o relevo também, e faz um lixamento com a escama do pirarucu e a folha da embaúba, deixa ela lisinha e natural pra que ela receba a tintura e fique nesse tom aqui. O trabalho, eu me identifico com todo ele, eu tenho habilidade de começar e levar o processo até o final. Mas como nós fazemos agrupadas, a gente não começa e termina uma peça sozinha, ela vai passando de mão em mão, cada qual na sua habilidade vai transformando. E finaliza com essas incisões, com esse rascunho aqui que a gente faz, que eu faço, tanto floral quanto indígena tapajônico. Eu digo traços geométricos porque dá pra usar muito as linhas geométricas nas incisões.
Para conhecer mais sobre esse processo originário, orgânico e coletivo, sugerimos as seguintes referências de livros, filmes e vídeos:
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- CARVALHO, L.C. (org.). O artesanato em cuias em perspectiva - Santarém. Rio de Janeiro: IPHAN, CNFCP, 2011.
- BEZERRA, A. & COSTA, R. (orgs.). Almanaque Pitinga. Rio de Janeiro: IPHAN, CNFCP, 2011
- SARQUIS, G. B. (org.). Modo de fazer cuias do Baixo Amazonas. Belém, PA: IPHAN-PA, 2017.
- Modos de fazer Cuias no Baixo Amazonas / PA. Direção de Edgar Macedo. Apoio Ipham/CNFCP, 2003/2006 (17’). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=4_Jo3r4ahw0
- Viagens pela Amazônia / Arte em cuias: As artesãs de Aritapera – PA. Programa Viagens pela Amazônia (21’50”). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=wBbOUGlFpGs
- Cuias Patrimônio. Reportagem exibida no programa É do Pará - TV Liberal, afiliada à Rede Globo em Belém-Pará (2’57”). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=lTjtpj880ys
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Contatos: (93) 99126-4897
Algumas palavras
Só se sente a falta d'água quando o pote está vazio (ditado popular)
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É sabendo de onde se vem que se pode saber pra onde se vai (provérbio africano)
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As coisas estão no mundo, só que eu preciso aprender (Paulinho da Viola)
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O artesanato foço porque gosto e também porque é o meu trabalho (Maria José Pereira, artesã, Enseada do Aritapera)
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fonte: ALMANAQUE PITINGA. Organização de Aída Bezerra e Renato Costa. Rio de Janeiro: IPHAN, CNFCP, 2011. 100p.